terça-feira, 1 de julho de 2008

A IMPORTÂNCIA DO COMPUTADOR

- Tecnologia na escola: formação de educadores na ação

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida*

O conceito de formação comporta diferentes enfoques, mas é geralmente associado ao desenvolvimento tanto pessoal quanto profissional. Assim, a postura do educador traz subjacente um modelo de ensino, de aprendizagem e de escola, bem como uma teoria de conhecimento que representa uma perspectiva de homem e de sociedade. Como decorrência, existem diferentes paradigmas de formação de educadores1, cada um coerente com a concepção do papel que o educador deve desempenhar no processo educacional.

Os programas de formação tradicionais, tanto inicial como continuada, são estruturados independentemente da prática desenvolvida nas instituições escolares, caracterizando-se por uma visão centralista, burocrática e certificativa. Daí as atividades de formação receberem a denominação de reciclagem, treinamento, capacitação etc., revelando a dicotomia entre teoria e prática, formação e ação.

O conceito de paradigma de formação aqui entendido tem uma concepção de continuidade, de processo, não buscando um produto pronto, mas sim um movimento que se concretiza através da reflexão na ação e da reflexão sobre a ação (Shön, 1992)2, ação esta que é experienciada na formação, recontextualizada na prática do formando e refletida pelo grupo em formação, realimentando a formação, a prática dos formandos e formadores e as teorias que a fundamentam.

Este texto, inspirado em uma tese3 que defendi na PUC-SP, se refere à formação como uma atividade educativa entre educadores no exercício de suas funções, os quais assumem efetiva participação nas ações de formação, contribuindo com suas experiências, competências, potencialidades e representações. Nessa perspectiva, uma ação de formação corresponde a um conjunto de interações entre formadores e formandos com a intencionalidade de mudança e inovação.

A formação de educadores para a incorporação da TIC - tecnologia de informação e comunicação à prática pedagógica parte dos mesmos pressupostos da formação para a mudança integrados à apropriação e utilização pedagógica da TIC, de modo que o formando tenha condições de desenvolver crítica e reflexivamente um estilo próprio de atuar com a tecnologia.

Segundo Nóvoa, a formação não é qualquer coisa prévia à ação, mas está e acontece na ação (Almeida, 1996, p. 56)4, como um contínuo fundamental em suas vidas e na das escolas (Ribas, Carvalho & Alonso, 1999, p. 48)5. Essa formação se torna efetiva caso produza mudanças através de uma intervenção pela qual há a participação consciente e uma vontade clara do formando e do formador de conseguir os objetivos explicitados (Garcia, 1995, p. 177)6.

A formação orientada para a mudança e a inovação tem como foco o contexto de trabalho dos educadores e se realiza com o grupo de profissionais interessados em provocar transformações na escola, de forma que sua aprendizagem se traduza em mudanças pessoais, profissionais e institucionais. Também os formadores devem estar comprometidos com essa formação e mudança.

A formação contextualizada de educadores para o uso da tecnologia de informação e comunicação ocorre integrada com o tempo e espaço da instituição educacional e origina-se na e da prática do profissional. Porém, isso não significa realizar-se fisicamente na instituição educacional. A formação concretiza-se na imersão de formandos e formadores na realidade da instituição. As necessidades da formação emergem do contexto educacional no qual se busca desenvolver uma cultura que permita ao educador tornar-se um agente de mudança de sua própria atuação e de seu contexto. Trata-se da epistemologia da prática mediante um processo em que prática e teoria integram-se em um currículo orientado para a ação.

A partir da convivência com os desafios, problemas e outros fatores que interferem no trabalho educativo, na busca conjunta de alternativas para sobrepujar as dificuldades, no compartilhamento de conquistas e fracassos, nas reflexões na e sobre a própria ação, o educador vai adquirindo o saber sobre o quê, como, por quê e para quê (Imbernón, 1998)7 empregar o computador em sua ação.

Não se trata de uma formação voltada para uma atuação no futuro, mas sim de uma formação direcionada pelo presente, tendo como pano de fundo a ação imediata do educador. A formação estabelece uma congruência entre o processo vivido pelo educador formando e sua prática profissional. Essa formação torna-se eficaz quando o formador, também um agente de mudança, mergulha nas ações de formação com os educadores, compartilha problemas, angústias, incertezas e conquistas inerentes às mudanças provocadas por uma nova prática profissional em fase de experimentação, cuja proposta é vivida, refletida e reelaborada durante a formação, testada pelo formando e refletida pelo grupo em formação.

Formadores e formandos constituem um grupo em formação. Todos aprendem em situações problemáticas contextualizadas, que são analisadas pelo grupo em um processo contínuo de investigação, interação, cooperação e socialização, caracterizando um enfoque de formação contextualizada. Cria-se assim, um clima propício para uma atuação que favorece a transformação social e a emancipação humana, estabelece-se uma práxis contextualizada cuja freqüência das interações e comunicações indica a ocorrência de mudanças gestadas nas escolas (Imbernón, 1998).

A formação continuada para a incorporação da tecnologia de informação e comunicação na escola prepara os formandos em conhecimentos teórico-educacionais, conhecimentos e habilidades no domínio da tecnologia e atitudes que favoreçam o desenvolvimento da prática reflexiva, da capacidade crítica, da compreensão de que cada indivíduo produz conhecimento, bem como a valorização do ser humano em sua multidimensionalidade (cognitiva, afetiva, histórico-social e ecológica) e a compreensão de que todos podem se tornar agentes de mudança.

Evidencia-se a necessidade da criação de um ambiente de formação continuada que não se restringe a situações agendadas para participação em cursos, conferências e reuniões dicotomizados da realidade da sala de aula. Faz-se necessário instaurar um processo de reflexão, investigação, revisão e intervenção sobre as situações-problema existentes na prática real, o que não se realiza unicamente mediante a análise teórica da situação em si, mas sim, deve ser reinterpretada à luz da solução que requer, ou seja, levando em consideração a modificação de determinada realidade (Imbernón, 1998, p. 84).

O estabelecimento de espaços coletivos de discussão e reflexão é fundamental para que o professor participante dessa formação se posicione como aprendiz e possa colocar-se em sintonia com o processo de aprendizagem de seu aluno, buscando compreender suas potencialidades, conflitos e dificuldades e, ao mesmo tempo, revendo seu trabalho e sua atuação com uma crítica justa e objetiva que o acompanha, associada ao desejo de acertar, de fazer sempre o melhor (Ribas et al., 1999, p. 50).

Nas atividades de formação de educadores, esses se colocam na situação de aprendizes mergulhados em ambientes de aprendizagem informatizados. A tecnologia é utilizada para promover a interação entre todos os participantes (formandos e formadores), propiciar o desenvolvimento da autonomia no uso da tecnologia e na busca de informações, bem como a construção de conhecimentos de distintas áreas do saber, para a compreensão, representação e resolução de um problema contextual ou para o desenvolvimento de um projeto. Ao mesmo tempo, analisam as atividades desenvolvidas, o papel assumido pela tecnologia em uso, pelo mediador da atividade e pelo aprendiz. O educador é convidado a recontextualizar as atividades experienciadas em sua formação, para sua prática profissional. O professor recontextualiza a vivência da formação para sua atuação em sala de aula, usando o computador com seus alunos. Essas práticas recontextualizadas são apresentadas ao grupo em formação, cuja reflexão propicia a busca de teorias para melhor compreendê-las e reconstruí-las. Desta forma, a teoria ilumina a compreensão e reelaboração da prática, assim como a prática refletida conduz à reconstrução da teoria.

O educador emprega a tecnologia em sua prática, na troca de experiências, na ajuda mútua, no resgate da ética e da cidadania, no aprender em ação com a reflexão e a depuração que se desenvolvem antes, durante e após a ação. As reflexões incidem sobre a sua prática concreta, datada, realizada em um contexto histórico-social, o que implica uma tomada de consciência da realidade que se expande para além da sala de aula e do espaço-tempo escolar. Engloba os valores e crenças da sociedade na qual a instituição escolar se encontra inserida, bem como a cultura da instituição, as interações entre os pares, com os alunos e com a comunidade, a atuação dos coordenadores e dirigentes educacionais e os sistemas de apoio ao trabalho do professor. Assim, o professor, principal agente de aprendizagem da escola, pode assumir gradativamente a prática crítico-reflexiva.

Quanto maior a participação e o compromisso do corpo de educadores da instituição nas ações de formação, compreendendo tanto o envolvimento dos professores quanto dos demais agentes educacionais e principalmente seus coordenadores e dirigentes, e quanto maior o nível de colaboração, participação e articulação entre todos os envolvidos nas decisões sobre o currículo e a gestão desse processo de formação, maior será a possibilidade de sucesso dos projetos inovadores que a instituição se proponha a realizar e, especialmente, o projeto de integração do computador na prática pedagógica.

A formação de educadores crítico-reflexivos e investigadores da própria ação altera o contexto da formação, colocando-o em relação direta com a prática e acentuando o papel do educador como um agente de mudança, responsável pela própria formação. Cada educador é co-autor do planejamento, desenvolvimento, reflexão (avaliação processual e dos resultados) e depuração (reformulação ou reelaboração de metodologias) do processo de formação continuada contemplado no projeto político-pedagógico da Escola, como decorrência de um processo colaborativo desenvolvido por meio de negociações, conflitos e consensos temporários.

Quando a tecnologia começa a adentrar os espaços educacionais há um momento em que seu uso apresenta-se como prática de um pequeno grupo de educadores e alunos. Esses autores de primeira mão vão gradativamente conquistando outros parceiros, até que exista um contingente de profissionais e de alunos trabalhando, o que induz a inserir tais práticas como uma das atividades inovadoras contempladas no projeto político-pedagógico da instituição e assumidas pela coletividade.

Portanto, a formação de educadores na ação é contextualizada nas experiências, conhecimentos e práticas do formando, que tem a oportunidade de inserir a tecnologia em sua prática, rever e reelaborar a sua prática, colocando-a como foco da própria formação. Os formadores são parceiros dos educadores com os quais compartilham práticas e reflexões. Trata-se de uma formação que se desenvolve na transversalidade do currículo; inter-relaciona formação-ação, ação-reflexão, realidade-conteúdo, homem-máquina, arte-tecnologia, teoria-prática.

NOTAS

* Mestre e Doutora em Educação, PUC-SP. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo e do curso de Tecnologias e Mídias Digitais, da PUC-SP. Consultora desta série.

  1. Paradigma (originário do grego "paradeigma": modelo, padrão) de formação de
    professor é compreendido como o conjunto de percepções, valores, crenças e suposições que formam uma determinada visão relativa ao ensino, ao professor, à aprendizagem e aos alunos. O paradigma estrutura conceitualmente o modelo de formação de professores assumido.
  2. Schön, D. A. PGM 1: Prática: eixo de formação. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa, A. (org.). Os professores e sua formação. Lisboa, Portugal: Dom Quixote, 1992.
  3. Almeida, M. E. B. O computador na escola: contextualizando a formação de professores. São Paulo: Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000.
  4. Almeida, M. E.. Informática e Educação. Diretrizes para uma formação reflexiva de professores. São Paulo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação: Supervisão e Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,1996.
  5. Ribas, M., Carvalho, M. A. & Alonso, M.. O caráter emancipatório de uma prática pedagógica possível. In: Queluz, A. G. (orientação). Alonso, M. (org.). O Trabalho Docente: teoria e prática. São Paulo: Pioneira, 1999.
  6. Garcia, C. M. Formación del profesorado para el cambio educativo. 2a ed., Barcelona: EUB. 1995.
  7. Imbernón, F. La formación y el desarollo profesional del profesorado. Hacia una nueva cultura profesional. Barcelona; Espanha: editorial Graó, de Serveis Pedagógics,1998
http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2001/tec/tectxt1.htm

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